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ONCE AGAIN
ENCORE UNE FOIS
MAIS UMA VEZ
“I’ve heard the cries, and felt the pains”.
Tem dez anos e obrigam-no a fugir. Segue a família, pela madrugada. Chove. Avançam devagar, até à curva do rio.
O mato encobre o inimigo. A morte.
Alcançam Freetown. Fadiga e vontade de ficar.
Mas tornam a partir. E é então que os caminhos da família e o dele divergem. Para sempre.
O sol queima.
Têm sede. Não sabem para onde vão.
A neve e a água de Caxemira.
Tanta água!
Sim, mas também os rebanhos. A lã que há-de chegar aos teares. E os bosques, onde ele próprio ia cortar lenha.
Nisto, tudo lhe ficou para trás. Água, bosque, ferramenta. A pashmina cereja e ouro de uma rapariga.
Tinha vinte e sete anos.
Mas porque há-de um homem deixar a serra com que corta a lenha? Porque tem ele de fugir?
Abateu uma vaca. E disse: “Caxemira independente! Já!”
Na sua terra estão oitocentos mil soldados prontos a perseguir quem dê vivas à independência.
Quem molestar uma vaca.
“Molestaram-te?... Quem?!”
O homem com quem a tinham casado à força.
“Onde?...”
Numa aldeia, muito para lá de Conakry.
“Que idade tens?...”
Dezasseis anos. Talvez menos.
Se não tivesse conseguido alcançar a fronteira, seria a quarta mulher de um militar que já passara dos cinquenta.
“Foste corajosa, minha filha! Deixei cinco filhos no Congo, e tu podias ser uma das minhas filhas.
Eu era diplomata, e fui muito amigo do Primeiro-ministro. Depois... os golpes de Estado, as tribos a matarem-se umas às outras...
Muitos dos que morreram eram meus parentes. Mas eu fugi. Consegui atravessar o rio. Chegar a Angola.
Vinha sem papéis. Quem foge raramente trás documentos consigo. Eu queria embarcar para a Bélgica, mas não consegui visa: não tinha provas de ser do Congo. Vim para cá.
Acolheram-me. Já passaram três anos, e continuo sem passaporte.
Tu, minha filha, ainda tens idade para ser corajosa! Mas um homem como eu, saber onde pertence e não pertencer a parte nenhuma, só porque não dispõe de um papel com a sua foto...
Sinto que vou endoidecer!”
Ouvi os gritos,
e senti a dor.
ONCE AGAIN.
Alexander Dennis, Asif Meher, Aïssaton Diallo e Claude. Com:
Filomena Marona Beja
Centro Português para os Refugiados
Lisboa, 15 de Maio de 2009
André Spencer e F. Pedro Oliveira para Casa da Achada - Centro Mário Dionísio | 2009-2022