Horário de Funcionamento:
Segunda, Quinta e Sexta
15:00 / 20:00
Sábados e Domingos
11:00 / 18:00
Lisboa: Portugália Editora, 1965, col. Poetas de Hoje nº 19,
c./ reprodução de poema ms. [poema manuscrito] de MD
Memória Dum Pintor Desconhecido faz-nos sentir homens na hora em que tudo conspira para fazer de nós máquinas.
João Gaspar Simões
Antes de tudo, Memória Dum Pintor Desconhecido obedece a uma arte poética segura. Mário Dionísio tem, mesmo em prosa, o senso agudo do ritmo, ritmo esse que não coincide, porém, na sua poesia, com a métrica, se não que se espraia amiúde em simples versículos ou freme nas aliterações, nas rimas toantes interiores, origina-se nas geometrias de linhas e sons, flui nas elipses, numa ciência vocabular que só tem igual na beleza das metáforas, onde se derrama a lúcida gravidade, a original visão do mundo — porque seria ambíguo chamar-lhe moderna — de Mário Dionísio. [...] Um livro de poemas de singular riqueza, que será pouco a pouco descoberto — arriscamos o vaticínio — por sucessivas gerações.
Urbano Tavares Rodrigues (1966)
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Branco de neve
branco de leite
branco de cal
branco de lua
Contra branco outro branco
Um outro branco ainda sobre um novo branco
de espuma
com areia quase branca
Toda a ternura a fadiga a mágoa imensa
do branco contra branco sobre branco
na brancura mergulha branca flui
Branco entre limos
Branco entre mastros
Por túneis brancos ruas brancas sombras brancas
maciamente o branco longamente inventa branco
na crua branca amargura dos anos cegos Brancos
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Como os verdes profundos chamam
com sombras desgrenhadas
arrumadas
onde ri lá tão longe um sobressalto fosco
numa cortina de chuva luminosa
inesperada!
Escorre o óleo espesso e lento
em cordões de espanto verde velho no negrume
dos poços
Cavalos pela chuva dentro Portões batem
Sob o verde profundo aproximam-se passos
duma criança molhada até aos ossos
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Deitei agora mesmo o açúcar no cinzeiro
Caiu-me a cinza no café
Onde pensei azul vejo vermelho
E a linha como tonta alheia e brusca se desprende
e furta à intenção da mão que a traça
O que o dia todo desenhei
eu próprio olho espantado e espantado não sei
em verdade o que é
Rigoroso analista que nos outros tudo entende
que se passa?
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Na chuvinha violeta
uma roda amarela
transparente
Transparente cantante
mal fulgura um segundo
oculta-se de vez
De pedra em pedra saltitante
a alegria do mundo
toda inteirinha numa tela
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Num pingo de verniz
o mundo inteiro cabe
O que se sabe e não sabe
o que se diz e não diz
luz um momento só
que enquanto o brilho escorre
e se cobre de pó
o encanto desfaz-se
dir-se-ia que morre
Mas o que ali floresce
não mais se apaga ou esquece
E o que se diz e não diz
o que se sabe e não sabe
na baça luz do verniz
Mário Dionísio
André Spencer e F. Pedro Oliveira para Casa da Achada - Centro Mário Dionísio | 2009-2022